Mulheres, obrigado!
Beijo,
Francesca
No último ano da faculdade de arquitetura, no dia que sua filha Paula completava 1 ano de idade, Shenia Nogueira acordou com algo que os médicos chamam de surdez súbita. Porém, o apoio familiar e a lembrança de um tio querido fizeram com que ela não encarasse a situação como um problema, e sim como algo que a fizesse aprender e melhorar.O marido saiu de casa naquele sábado de manhã e foi à igreja. Não havia ninguém, uma igreja enorme. Ele queria sentir o silêncio. Começou a se sentir mal com o silêncio ensurdecedor, percebeu por o que Shenia estava passando e saiu correndo de lá. “O silêncio é horrível”, disse ele.
Um médico amigo dela – um “compadre”, como ela diz – a aconselhou a não fazer nada naquele momento, já que era final de ano, viriam as férias e não daria para fazer um acompanhamento. Quando ela ficava aflita por não entender o que os outros diziam, ele a tranqüilizava: “Calma, você vai entender.”
Ao se lembrar de um amigo, cuja mãe perdeu a audição e ficou muda por não ter com quem conversar, Shenia resolveu usar esse exemplo para criar forças e passou a conversar com todo mundo. Por isso, esforçou-se para fazer leitura labial, o que aprendeu sozinha em 4 meses.
Quinze dias após o incidente ela teve de apresentar seu trabalho de conclusão de curso e teve dificuldade de explicar seu trabalho. Segundo ela, conseguir um estágio era mais difícil por causa da discriminação dos outros. Amigos a ajudaram em seus primeiros projetos. “Tinha que provar que eu era boa o tempo inteiro. A dedicação tinha que ser dobrada em relação a outra pessoa recém formada.” Foi algo difícil, mas ela quis mostrar que chegaria ao seu objetivo. Sempre teve fé de que iria voltar a ouvir, mesmo sabendo que isso demoraria a acontecer.
Shenia se aflige quando alguém fala com ela e não olha diretamente nos seus olhos ou está usando óculos escuros. Como ela mesma diz “os olhos falam juntos com a boca.” Ela lembra que muitos se sentem tão à vontade com ela que acabam se esquecendo de sua situação, a tal ponto que se viram de costas e continuam a falar. Ela brinca e ri: “Mas assim não vou entender nada!”.
A amizade e sinceridade de Shenia fizeram com que a relação com os clientes fosse aberta e de sentimentos recíprocos. Por isso, ela diz sentir um carinho enorme por todos eles.
Já trabalhou com todas as filhas, e juntas construíram uma forte relação de amizade, confiança e admiração mútuas que fazem Shenia sorrir ao falar delas. Ela não poupa elogios e demonstração de extremo orgulho às três: Paula, Patricia e Priscila.
Shenia não acredita em superação, mas sim que teve uma ajuda divina. “E essa ajuda, quando você tem fé, força, ela vem. Não importa a religião. Se você acreditar, você consegue. Eu acho que a partir do momento que eu perdi a audição eu comecei a entender que devemos ouvir as pessoas e tomar cuidado com o que falamos para não prejudicar ninguém.” – comenta Shenia.
Após 29 anos no silêncio, uma cirurgia no Hospital das Clínicas a fez recuperar a audição aos poucos. Quando Shenia se viu sozinha no centro cirúrgico, começou a sentir um aperto no coração. Os médicos conversaram com ela e a acalmaram. Sentiu-se aliviada quando acordou e viu que a operação foi um sucesso. A felicidade dela era enorme. Ainda não podia ouvir porque estava apenas com o implante interno, faltava a peça externa que captaria os sons. À noite, de tão ansiosa, não conseguia sequer dormir, pois sentia uma imensa felicidade e agradecimento por ter conseguido realizar essa cirurgia.
Todos no hospital, professores, alunos, funcionários, se surpreenderam com Shenia e sua rápida recuperação após a cirurgia. A cicatrização, disseram os médicos, foi muito rápida por causa da sua auto-estima e pensamento positivo. Um mês após a cirurgia foi colocado o aparelho externo.
Durante 6 meses os médicos foram aumentando gradativamente o som do aparelho para que ela pudesse ir se acostumando, até ficar numa altura razoável. Por isso, no começo ela não ouvia bem.
A primeira vez que ela saiu para ouvir o som das ruas, foi à Teodoro Sampaio com sua filha Priscila. Ficou de costas à rua e perguntava à filha:
- Passou um carro?
- Passou um carro.
- Passou um ônibus?
- Sim.
- Passou uma moto?
- Passou.
Ela começou a chorar de felicidade. Foi à fono avisá-la que sabia distinguir o que era o som de um carro, o som de um ônibus e o de uma moto.
A primeira pessoa com quem falou ao telefone foi com um dos genros, ao dar parabéns pelo aniversário dele.
- Só diz uma palavra para ver se eu entendo, mas fala devagar – pediu Shenia.
- Obrigado – respondeu ele.
- Você falou obrigado! Paula, pergunta a ele se ele falou obrigado.
- Falei, Paula, falei! – respondeu o genro.
Ela chegou ao seu objetivo. Mãe de três mulheres (e de três homens – os genros), Shenia ensinou a elas que é preciso lutar para ter o que se quer e a dar valor à vida. Seu neto Enzo de 10 anos tem um exemplo de vida para se inspirar e uma bela história para contar.