
Valor Econômico | No interior de MG, tapeçaria de luxo com temática
O que seria um erro de uma principiante num trabalho feito na máquina levou o grupo de bordadeiras do Projeto 1+1 a descobrir um novo ponto, o pipoca. Com inovações como essa e outras técnicas manuais combinadas do Brasil e do exterior, o grupo de artesãs de Carmo da Cachoeira (MG), sob direção da fundadora Elisa Lobo, há mais de 20 anos transforma tapeçaria em arte.
Há um ano, depois do período crítico da pandemia e ainda em luto pela perda da mãe, Lobo pensava em desistir do projeto. Foi o convite do casal Kamyar Abrarpour e Francesca Alzati, fundadores da fabricante de tapetes By Kamy, para comandar uma nova frente de negócios que reativou seu desejo de seguir adiante.
“As mulheres ficaram muito animadas com a retomada. Quando começamos, em 2002, eram ex-catadoras de café e varredoras de rua que desenvolveram habilidades únicas e conquistaram renda para suas famílias”, diz ela. Em função da parceria, Lobo converteu a oficina em uma “linha de produção” para tapeçaria de parede, almofadas e pufes. Com o aumento da demanda, a expectativa é treinar mais cem bordadeiras para 2026, chegando a 150.

Tapeçaria Helicônias da Mata feita pelas artesãs do Projeto 1 + 1 — Foto: by Kamy/Divulgação
No galpão de Carmo da Cachoeira, as bordadeiras trabalham em peças desenhadas pela By Kamy a partir do repertório de bordados das integrantes do projeto. Assim como as bordadeiras reinterpretam trabalhos de artistas como Victor Brecheret, por exemplo.
Sobre um aubusson reciclado (tapete com padronagem da Renascença Francesa), Lobo e sua equipe bordam telas de Lelli de Orleans e Bragança, artista descendente da família imperial brasileira. São esses tapetes de luxo, com elementos da fauna e flora brasileira, que serão apresentados no Salão do Móvel de Milão, em abril, com preço médio de R$ 30 mil. “Escolhemos um repertório bem brasileiro para destacar nosso trabalho dos demais”, diz Abrarpour. Afinal, a tradição europeia em tapeçaria é secular.
Quando começamos, eram ex-catadoras de café e varredoras de rua”
— Elisa Lobo
“Nossa intenção é que outros artistas enxerguem a tapeçaria como uma nova forma de expressão e passem a criar pensando nisso, ampliando universo brasileiro da arte textil”, diz Alzati.
Na década de 90, a By Kamy trabalhou com um grupo de presidiárias de Taubaté na confecção de tapetes “shaggy” (aqueles felpudos) feitos com sobras de poliéster. Os tapetes foram exportados durante cinco anos. O projeto foi interrompido pois o presídio fechou e as artesãs, enviadas a outras instituições.

Tapeçaria Encontro de Pássaros, das artesãs do Projeto 1 + 1 — Foto: by Kamy/Divulgação
“Parte do público está novamente em busca do autêntico e do artesanal”, acredita Abrarpour. É por isso que uma das frentes mais recentes nas divisões de arte e de economia circular da By Kamy é a participação no Projeto 1+1, que se torna um cartão de visitas para o mercado internacional.
A empresa é organizada em verticais comerciais como arte (desde peças autorais e de artistas convidados, até o licenciamento das fundações de Tarsila do Amaral e Candido Portinari); corporativo (projetos para empreendimentos e hotéis, como toda a tapeçaria do hotel Rosewood, em São Paulo, e do novo teatro Cultura Artística); economia circular (a transformação de sobras e aparas em novos produtos, na “fábrica verde”).
Há ainda uma divisão de aluguel de tapetes, almofadas e móveis para eventos, e outra especializada na manutenção das peças adquiridas pelos consumidores.
No modelo de negócio, 40% são peças produzidas no Brasil e 60% no exterior, sempre com desenvolvimento no país e, em grande parte, com matéria prima nacional. Hoje, a empresa tem três fábricas em São Paulo que fazem tapetes com fibras naturais, de corda náutica e até com fibras de vinil. Também há linhas de produção em Campanha (MG). Cerca de 15% do que produzem são exportados para Estados Unidos, países da América Latina e da Europa.
Todos os produtos da marca são comercializados no e-commerce e nas quatro lojas próprias na cidade de São Paulo.
A mais recente aposta é no setor de outlet, com uma loja que deve ser lançada em março, na Vila Leopoldina, em São Paulo, onde fica uma das fábricas. “Vai ser um trabalho conjunto com outros lojista da Gabriel para a gente ter ofertas mais acessíveis”, diz ele. A estratégia é conquistar novos públicos, uma vez que a classe média está com o orçamento pressionado.
“O projeto1+1+ Kamy amplia nossa participação nas feiras internacionais e pode incrementar exportações. Já com nossos tapetes de fibras naturais mais caras, como a seda, e do outro lado, os produtos do outlet, vamos conseguir atender o topo e a base da pirâmide”, diz ele.
Enquanto isso, no prédio onde funciona a galeria com os tapetes de arte, o casal transforma a antiga lanchonete Z-Deli, na alameda Gabriel Monteiro da Silva, em um café que será inaugurado ainda este mês. “Queremos criar ainda mais relacionamento com as pessoas e incentivá-las a conhecer as obras”, diz Abrarpour. Com essas frentes, a expectativa é crescer 15% o faturamento do ano passado que foi de R% 15 milhões.
Desde a década de 60 o pai de Abrarpour trabalhava com tapetes orientais no Brasil. Com a proibição das importações na ditadura militar, a família mudou-se para Dallas, no Texas, onde havia uma grande comunidade iraniana.
Kamy formou-se em administração e marketing por lá, e no seu retorno ao país, passou três meses na Brasken. Mas logo se rendeu à “veia comerciante da família”. Foi sócio da Século, uma loja de tapetes antigos, em São Paulo. Mas a inquietude e a parceria com Alzati, arquiteta que havia trabalhado com Oscar Niemeyer, Ruy Ohtake, Miguel Julião, o levou a um novo negócio, a By Kamy.
“O mundo estava mudando com a internet e novos hábitos de consumo. Então a gente decidiu fazer o mesmo, mas de um jeito diferente”, diz. Ou seja, vender tapetes respeitando o espírito do tempo. A abertura da By Kamy permitiu que a dupla desenvolvesse suas próprias criações, com uma linguagem mais moderna, usando novos materiais e formas de produção.
“Hoje usamos inteligência artificial para fazer as fichas técnicas de nossos produtos, por exemplo. Para você ter uma ideia, são quatro mil itens em linha”, explica Francesca. “Mas ao mesmo tempo 80% da nossa produção é artesanal. Somos fabricantes artesanais. É uma empresa tecnológica com a dominância humana”, diz ela.
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